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Reforma tributária: O último a sair apague a luz
A reforma tributária do consumo, aprovada pela EC 132/23 e regulamentada pela LC 214/25, alterou por completo a sistemática da tributação sobre o consumo no Brasil. Entre estas modificações, está a extinção do ICMS, ISS, PIS, Cofins e IPI, e a criação de um IVA - Imposto Sobre Valor Agregado Dual, cuja alíquota modal será, segundo estimativas, de 28%1.
Caso a estimativa se concretize, o Brasil tomará o posto da Hungria, que hoje lidera o ranking infame de países com a maior alíquota de IVA, em 27%2.
Apesar da simplificação e modernização do sistema tributário, a adoção da alíquota recorde deve ser encarada como o "calcanhar de aquiles" de uma reforma que foi muito pouco refletida e ponderada, fruto de uma condução política que preteriu a boa técnica em favor do frenesi arrecadatório.
Este açodamento, que resultou na maior carga tributária do mundo, pode vir com um alto preço a se pagar: a fuga de Capital, que afeta diretamente a geração de empregos, arrecadação de tributos e, por fim, a prestação de serviços públicos.
Explica-se. Em um mundo cada vez mais globalizado, conectado e de fronteiras reduzidas, o Capital move-se quase que sem amarras em busca de condições econômicas mais favoráveis, dotado de uma excepcional extraterritorialidade e mobilidade espacial em escala global, em contraste com séculos passados, em que era atrelado ao espaço físico das suas enormes instalações, o que impedia a sua fuga para ambientes economicamente mais atrativos.
Por outro lado, as capacidades do Poder Público não evoluíram na mesma proporção, revelando-se demasiado lento para acompanhar a velocidade e o dinamismo do Capital, quer pela burocracia inata do Poder Público, quer pela ineficiência pontual de alguns governos. Seja como for, o fato é que as capacidades lentas dos poderes locais em comparação com o Capital fizeram com que se tornassem reféns deste e, portanto, submisso às suas reivindicações, sob pena de abandono.
Para o bem ou para o mal, os Estados não são mais dotados da eficiência coativa de outrora para controlar o Capital e fazê-lo curvar-se às suas exigências.
Escrevendo sobre o tema, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman4 afirmou:
"Mas o Capital se tornou extraterritorial, leve, desembaraçado e solto numa medida sem precedentes, e seu nível de mobilidade espacial é na maioria dos casos suficiente para chantagear as agências políticas dependentes de território e fazê-las se submeterem a suas demandas."
Para os países, isto significa um aumento exponencial da responsabilidade na tomada de decisões pelos stakeholders. Uma "canetada" pode custar décadas de recessão, pelo risco imediato de expulsar o Capital do país, dada a sua capacidade de estabelecer suas bases flexíveis e móveis em - quase - qualquer outro lugar do globo.
A reforma aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente da República foi construída sob a premissa de manutenção da carga tributária. Contudo, a manutenção da carga tributária lato sensu não significa necessariamente a manutenção da carga tributária setorial.
Carga tributária é a relação entre o PIB - Produto Interno Bruto e a arrecadação de tributos. Sua análise fria pode esconder distorções tributárias setoriais que, na realidade, estão provocando o sufocamento de áreas essenciais para o desenvolvimento econômico nacional.
E o que a reforma tributária fez foi justamente isto: sob o pretexto de manutenção da carga tributária, onerou sobremodo setores essenciais à economia.
Em alguns casos, como o setor de serviços, o aumento da carga tributária setorial será de mais de 200%, de acordo com artigo publicado neste Migalhas. Para o setor de construção civil, este aumento pode chegar a 40% em algumas situações5. Para o setor de saneamento, estima-se um aumento de quase 200%6. Noutra oportunidade, as empresas do setor de tecnologia da Informação alertaram para um aumento de até 20% no preço dos planos de internet7.
Estes são apenas alguns - poucos - exemplos de setores negativamente afetados pela reforma, desconsiderados em favor de uma desvairada ambição de algumas personalidades em gravar seu nome na história, como aqueles que aprovaram a tão sonhada reforma do sistema tributário nacional. Mas, afinal, alguém tinha que pagar a conta.
Não à toa, a sabedoria popular alerta: o apressado come cru. Na falta de um estudo prévio detalhado acerca das estimativas de impacto por setor, acabou-se onerando setores estrategicamente importantes da economia, mediante uma ilusória esperança de que o Capital permanecerá onde está.
Recentemente, uma matéria do jornal Estadão apontou que a fuga de Capital estrangeiro da Bolsa em 2024 é a maior em 9 anos8. Enquanto isso, o partido governista reiteradamente despreza9 a importância do Capital para o desenvolvimento nacional, priorizando um discurso populista que é infundado e irresponsável.
A adoção da maior alíquota de IVA do mundo se soma ao ambiente histórico de baixa confiança na economia e altamente burocrático, prejudicando ainda mais o desenvolvimento econômico que é impulsionado pelo Capital. Perdemos em geração de empregos e arrecadação de tributos e, com a perda de arrecadação, precariza-se a prestação de serviços públicos, o que termina por agravar as desigualdades sociais.
Os gestos recentes do Executivo e Legislativo brasileiros transmitem uma mensagem muito clara para o Capital: fuja para as colinas - ou para onde quiser. Para o Capital, não há problema. A palavra de ordem agora é flexibilidade, como defende Bauman n. Volátil, móvel e, enfim, leve. O diagnóstico de Bauman nos ensina que a tributação deve ser repensada à luz das novas dinâmicas globais, com estruturas mais flexíveis e adaptadas a um mundo em que o Capital raramente possui raízes fixas.
Bauman estava certo. Agora, resta saber quando - e quanto - o Brasil pagará o preço.
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